terça-feira, 5 de setembro de 2023

Os Fisiculturistas Estão Confusos

Os Fisiculturistas Estão Confusos
Capítulo 1 do livro Heavy Duty, de Mike Mentzer

Explicando a relação entre a mente humana e a arte, Ayn Rand escreveu, num ensaio intitulado, "The Psycho-Epistemology of Art", "Enquanto, em outras áreas do conhecimento, o homem superou a prática de procurar respostas místicas, no campo da estética essa prática continua com força total a está se tornando cada dia mais cruel”.

Até onde eu sei, a Sra. Rand não tinha nenhum interesse no fisiculturismo, mas se tivesse ela observaria um fenômeno similar. Os fisiculturistas com os quais eu tenho contato diariamente estão agonizantemente confusos. A única fonte de informação de muitos deles é apenas revistas de fisiculturismo, as quais ele lêem com um zelo quase religioso, absorvendo essas palavras como se fossem revelações divinas, ou pronunciamentos de oráculos sagrados, que não devem ser questionados, mas passivamente aceitos numa fé cega. Muitos fisiculturistas não conseguem reconhecer que revistas de fisiculturismo não são jornais científicos, mas catálogos comerciais cuja função primária e motivo de existência é vender suplementos e equipamentos de treino. Não podemos ser ingênuos, pois mesmo revistas científicas respeitadas hoje sofrem com pesquisas fraudadas em todas as áreas. Apesar de essas publicações conterem alguns artigos baseados em fatos e na razão, isso é uma raridade pois na maioria das vezes são informações contraditórias, que não acrescentam nada àquelas pessoas sem senso crítico e que passam desapercebidas pelos leitores mais inteligentes.

A noção de que o fisiculturismo é uma ciência vem sendo discutida por décadas pelos editores de revistas de fisiculturismo e alguns fisiologistas. Para se qualificar como uma ciência válida, no entanto, fisiculturismo dever ter um embasamento teórico consistente e racional, algo que nenhum dos indivíduos mencionados - a não ser Arthur Jones e Eu - pôde prover até agora. O que acontece até agora com a chamada “Ciência do Fisiculturismo Moderno” é, na verdade, uma pseudociência. Propagada pelos fisiculturistas tradicionalistas ou ortodoxos nada mais é do que uma repetição de idéias antigas, desconexas e contraditórias.

Um grande número de autodenominadas “experts” alega que não há princípios objetivos e universais para exercícios produtivos. Eles alegam que, já que cada fisiculturista é único, cada fisiculturista requer individualmente um programa de treino diferente. Isso implica dizer que a melhor forma de se treinar para ganhar músculos é algo subjetivo, que só pode ser definido pelas necessidades e vontades de cada um.

Apesar de dizerem que não existem princípios universais, muitas dessas pessoas defendem que um fisiculturista deve executar entre 12 e 20 sets por grupo muscular, de 2 a 4 horas por treino, para maiores ganhos, recomendam 2 ou 3 treinos por dia, seis dias por semana, com o sétimo dia de descanso – para o Sabbath, eu presumo. Muito científico!!!!

O princípio implícito nesse pensamento é “mais é melhor”. Esse é um princípio da economia: mais dinheiro, mais sucesso, por exemplo. Mais valor é melhor que menos valor. Mas esse princípio tem uma aplicação limitada no treinamento. Pegar um princípio de um contexto, como a economia, e aplicá-lo de forma simples, sem uma análise crítica e cegamente a outro contexto, como o fisiculturismo, é aplicar a conhecida “mudança de contexto”. Alguns anos atrás, o Mr. América Steve Michalik transformou esse conceito errôneo em uma conclusão lógica e começou a defender que deveria fazer entre 70 e 100 sets por músculo! Michalik efetivamente fez o que defendia e quase morreu!!!

Então o que será: 12-20 sets ou 75-100 sets? Na verdade, melhor seria questionarmos:

1) Por que a contradição? Se cada fisiculturista, sendo único, necessita de um programa de treino único, porque defender o mesmo número de sets para todos?
2) Qual o equívoco? Qual ideia deve ser considerada e em que base? Qual está mais próximo da verdade: os defensores de 12 a 20 sets ou os que defendem 75 a 100 sets? Os estão ambos equivocados?
3) Por que a falta de exatidão?Terão os fisiculturistas os mesmos resultados com 12, 14, 20 sets ou com 75, 87 ou 100 sets? Se a ciência deveria ser uma disciplina exata, a ciência do fisiculturismo deveria dizer exatamente o que se fazer.
4) Por que a evasão? Todos esses sets devem ser executados com o mesmo grau de intensidade, pelas mesmas pessoas o tempo todo?

Já que as questões levantadas acima representam apenas a ponta do iceberg, elas nos mostram as conseqüências desastrosas de se seguir uma idéia desprovida de base intelectual e racional.

Uma teoria científica é um conjunto de princípios que servem para descrever corretamente uma realidade ou guiar as ações humanas. Um monte de idéias jogadas, conclusões falsas e contradições irreconciliáveis não constituem uma teoria válida e, mais ainda, não servem como guia de uma ação de sucesso.

Os ortodoxos cometem outros erros intelectuais. Um ótimo exemplo são suas concepções que não tem aplicação. Apesar de referências ocasionais, arbitrárias e fora do contexto sobre o “princípio da sobrecarga”, eles nunca identificaram adequadamente o estímulo especificamente responsável por provocar o crescimento muscular. Como resultado, eles acham justificável roubar o conceito de intensidade e passá-lo para frente de uma forma sem sentido, de forma inapropriada. Outro exemplo é o conceito de overtraining. Sem vontade ou incapazes de definir o termo, apenas dizem que se trata de algo negativo, como se fosse uma abstração, algo sem laços com a realidade. Como consequência, esse conceito não é apenas mal utilizado, mas quase não é usado e não tem papel nenhum nas suas idéias.

Onde pode um fisiculturista confuso achar respostas para essas questões urgentes? Rick Wayne, editor da Flex Magazine, respondeu essa pergunta alguns anos atrás, dizendo, “Cada fisiculturista deve ser seu próprio cientista e achar sua rotina de treinos ideal”. “Mas e se um fisiculturista em particular não for um cientista muito bom?”. Nenhuma resposta a essa pergunta foi dada.

Outros responderam sugerindo que fisiculturistas confusos deveriam seguir seus instintos. Eu respondi a isso, de forma bem humorada, dizendo que se os fisiculturistas seguissem o “princípio instintivo” para guiá-los em seus treinos, muitos deles provavelmente fariam xixi e defecariam nas barras ao invés de levantá-las. O Homem não é um ser instintivo cujo conhecimento é automático, ou “conectado” ao seu sistema nervoso, mas uma criatura conceitual que precisa adquirir e usar conhecimento num esforço cognitivo.

A resposta mais filosófica foi dada por um expert conhecido: “Há um mundo de verdades maiores do que aquelas conhecidas pelos cientistas e apenas algumas pessoas tem acesso a elas”. Já que a realidade é o mundo da verdade, só podemos imaginar a qual mundo ele se refere e o que ele tem a ver com o fisiculturismo, quem te acesso a ele e por quais meios. Tudo isso aponta para o fato de que o fisiculturismo está à beira da sua própria “idade das trevas” – e, mais ainda, porque tanto fisiculturistas se tornaram cínicos e desistiram.

Os defensores da visão ortodoxa, desprovidos de qualquer defesa teórica dos seus argumentos são forçados a citar algumas evidências ridículas para reforçar suas posições. Frequentemente me perguntam: “se 12-20 sets não é o melhor jeito de treinar, como se explica o sucesso de caras como Arnold e Lee Haney?”. A resposta é que, mesmo que seus físicos sejam, em parte, resultado desse tipo de treino, as milhares de pessoas que nunca chegam nesse ponto também falham na busca pelo físico ideal por causa desse tipo treino.

Mais ainda, é um erro apontar o aparente sucesso de algumas dúzias de ganhadores como prova indubitável de que um certo tipo de treino é eficaz. Se você observar o curso de suas vidas e calcular as horas, meses e anos perdidos nesse treino de alto volume, desprovido de teoria e praticado cegamente, poder-se-ia questionar se isso pode, realmente, ser chamado de sucesso.

Devemos ter em mente, também, que a genética tem um papel fundamental na determinação do sucesso de um fisiculturista. Arnold e Haney, sem falar de mim, Doryan Yates e outros que conseguiram alcançar níveis incríveis de desenvolvimento, possuem uma abundancia de traços genéticos necessários para esse desenvolvimento, tais como músculos longos, densidade muscular acima do normal e capacidade superior de recuperação.

A Melhor forma de se avaliar a eficácia de dois tipos de treino é examinar os resultados obtidos por pessoas geneticamente dotadas em cada tipo de treino. Em 1º maio de 1973, Casey Viator fez parte de um experimento, conduzido na Universidade do Colorado em Fort Collins, com o intuito de descobrir quanto músculo ele poderia ganhar em um mês de treino de alta intensidade.

Casey treinou apenas 3 vezes por semana, cada treino não durava mais do que 30 minutos, já que o experimento durou 1 mês, isso significa que Casey treinou, no total, 6 horas. O Resultado é que Casey foi de 75 kg para sua melhor marca de 95 kg. O fisiologista que conduziu o experimento, Dr. Eliot Plese, descobriu (usando um aparelho sofisticado de ensaio de radioisótopos) que Casey perdeu quase 8 kg de gordura durente esse mês. O ganho real de Casey, então, não foi apenas de 20 kg, mas quase 28 kg, isso tudo com apenas 6 horas de treino!

Agora, comparemos os ganhos de Casey com os que Arnold conseguiu com a sua preparação para o Mr. Olympia de 1975. Arnold fez questão de dizer a todos que iniciou seu treino em julho daquele ano, treinando duas vezes por dia por duas horas, ou seja, 4 horas por dia, seis dias por semana até a competição em novembro. Como resultado, num total de 288 horas de treino, Arnold adquiriu aproximadamente 11 kg de massa magra, indo do seu peso original de 91 kg para 102 kg. É interessante notar que Arnold conseguiu ganhar de volta apenas 11 kg de músculo, falhando, neste 4 meses de treino, em chegar a sua melhor marca de 108 kg.

Não apenas Arnold e Casey são geneticamente dotados, mas ambos estavam recuperando massa muscular, o que acontece mais rapidamente do que quando se ganha a partir do nada. E já que ambos estavam tomando esteróides nesses períodos, podemos concluir que o fator que determinou o amplo sucesso de Casey foi o uso dos princípios do High Intensity Training. Quando perguntado por que não havia conseguido recuperar sua melhor forma, que havia desenvolvido no Mr. Olympia de 1974, um ano antes, Arnold disse que os 4 meses de preparação não foram suficientes.

Para aqueles que questionam a validade de um treino breve e de alta intensidade, por causa da superioridade numérica daqueles que se utilizam do “mais é melhor”, eu só posso dizer que generalizações estatísticas nem sempre se constituem como uma prova válida de escolha individual. Um bom exemplo disse é o fato de que, durante milhares de anos, as pessoas acreditaram que a Terra era plana, mas isso não fez com que isso fosse verdade.

Um erro cometido por muitos leitores de revistas é acreditar que as rotinas costumeiramente descritas pelos campeões são as que eles sempre usaram. Na maioria das vezes, os campeões começaram suas carreiras e desenvolveram a maior parte de seus físicos usando rotinas de treino abreviadas, treinando 2 ou 3 vezes por semana, usando exercícios básicos e muito peso. Conforme eles progrediam, eles cometiam o erro – que eu mesmo cometi – de aumentar o numero de sets e de treinos por semana, o que explica a estagnação e as vezes retrocesso de alguns. O aumento da duração e da frequência dos seus treinos é feito em conjunção com o uso de esteróides, o que ajuda a prevenir, ou ao menos reduzir, a perda de massa que, de outra forma, resultaria de uma maratona crônica de treinamento.

Considerando que os auto proclamados “experts” nunca forneceram uma teoria de treino racional ou consistente, ou direcionada às questões levantadas aqui, é uma maravilha o fato de que muitos fisiculturistas continuem agindo cinicamente como animais.

Aproximadamente 20 anos atrás eu me encontrava em uma situação similar àquela experimentada por inúmeros aspirantes a fisiculturista que eu hoje encontro diariamente. Eu lia avidamente todas as revistas, memorizando as rotinas de treino, regimes nutricionais e, até mesmo, os hábitos pessoais dos campeões. Seguindo seus passos, eu utilizava o “mais é melhor”, fazendo 30 sets por grupo muscular, treinando 3 horas por dia, seis dias por semana. Depois de meses treinando dessa forma sem nenhum progresso, minha motivação caiu tanto que eu pensei seriamente em desistir de treinar. Eu pensei que, se treinando 3 horas por dia não era suficiente para crescer, então eu deveria aumentar meu tempo de treino para 4 horas por dia. Mas seria difícil justificar gastar mais tempo na academia todos os dias, sendo que eu já estava muito cansado por causa das minhas 12 horas de serviço militar na aeronáutica e mais 3 horas na academia. Se para desenvolver um físico campeão eu precisava abrir mão da minha vida social e gastar 1 quarto das minhas horas acordado na academia, não valia a pena.

Agonizando na perspectiva de abrir mão do meu sonho de ser uma fisiculturista campeão, eu tive sorte de conhecer, naquele momento, Casey Viator no Mr. América de 1971 em York Penn. Não apenas Casey era o mais jovem competidor, aos 19 anos, a vencer o título, como ele era favoravelmente comparado a Arnold (que estava lá naquele dia para checar a nova estrela que surgia). O que era ainda mais interessante sobre Casey, era o tipo de treino que ele estava usando. Enquanto Arnold, Franco, Draper e etc estavam todos treinando até 5 horas por dia, Casey treinava menos de 3 horas por semana!!!

Casey ficou impressionado com o meu potencial físico, e sugeriu que eu ligasse para o seu mentor, Arthur Jones, o inventor das máquinas Nautilus. Eu liguei para ele numa manhã, mas ele não estava, deixei um recado dizendo que eu havia ligado. Ele me ligou de volta às 2 da manhã, no dia seguinte, algo que eu aprendi, um tempo depois, ser uma característica comum desse empresário radical. Antes que eu pudesse sugerir que talvez fosse melhor nos falarmos depois, naquele mesmo dia, mais tarde, quando eu estivesse mais acordado, Jones se lançou numa apaixonada explicação sobre a natureza de um exercício produtivo, em oposição ao que era dito nas revistas de fisiculturismo.

Sua ardente oratória era tão inspiradora que o meu sonambulismo desapareceu imediatamente. Por mais de uma hora eu escutei, com extrema atenção enquanto Jones me explicava, na melhor a mais objetiva linguagem, a relação causa-efeito entre intensidade e crescimento muscular e porque, já que o corpo tem uma tolerância limitada a essa demanda intensa, um treino de alta intensidade deve ser breve e infrequente.

Antes de Jones finalizar, eu percebi que eu não era um expert em fisiculturismo como eu imaginava, de fato, eu sabia muito pouco sobre o tema. Memorizar rotinas de treino das revistas de fisiculturismo não fazia de mim um expert. Pela primeira vez na vida, eu escutei alguém que levou muito, muito a sério o conhecimento, razão, lógica e ciência. Tendo entendido muito claramente o que Jones queria dizer sobre exercícios, naquela manhã, depois de 20 anos, eu imediatamente mudei para um treino de alta intensidade e em apenas um ano e meio, meu físico medíocre passou por uma transformação tão dramática que eu poderia, facilmente, me tornar o Mr. América.

Muitos fisiculturistas se vendem barato. Erroneamente atribuindo sua falta de desenvolvimento a uma falha genética ao invés de seus métodos de treinos irracionais ou suas práticas nutricionais, eles desistem de treinar. Não cometa o mesmo erro de valorizar qualquer método de treino e dessa forma perder um precioso tempo indo de um método para outro na esperança de, um dia, encontrar um que funcione.

Não há nenhuma boa razão para que você continue levando sua carreira de fisiculturista de forma confusa e incerta. O Progresso não pode ser um fenômeno irregular, imprevisível ou mesmo inexistente. Uma visão racional do fisiculturismo, baseada no entendimento e implementação de princípios científicos de treino e nutrição, o colocará num caminho de progressos regulares e satisfatórios.

Arthur Jones, o inventor das máquinas Nautilus, ensinou a teoria do exercício produtivo a Mike Mentzer



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