Abordagem Fisiológica do que é Causado pela Ação Negativa e da Resposta Adaptativa da Musculatura a Este Tipo de Treinamento
Este artigo representa um estudo, com base em artigos científicos, sobre o desempenho da ação negativa do músculo no desenvolvimento da hipertrofia muscular. Esta ação muscular parece apresentar algumas vantagens sobre os outros tipos de ação quanto à hipertrofia e estas vantagens estão relacionadas com suas características mecânicas próprias. O foco aqui será dado à fisiologia da ação muscular negativa e aos processos adaptativos da musculatura esquelética aos treinamentos que envolvem tal ação muscular em diferentes velocidades.
“Negativa” é designação para um
músculo ativo que é alongado por uma carga imposta. Esta designação é baseada no
trabalho realizado. Assim, para um músculo que é alongado por uma carga externa
e que resiste a este alongamento, o trabalho seria absorvido ou negativo, já
que está se opondo ao movimento. Tal ação também é chamada de excêntrica. Em
contrapartida, a ação muscular que favorece o movimento é chamada de positiva
ou concêntrica e a estabilizadora de isométrica.
Um trabalho que utiliza
unicamente uma ação ou outra é difícil de ser elaborado e praticado. Quase
todos os tipos comumente utilizados de treinamentos são uma combinação das
ações concêntrica e excêntricas, e algumas vezes algum trabalho isométrico é
incluído. Apesar disso, de forma geral a maior parte da atenção é voltada aos esforços
positivo e estabilizador dos músculos esqueléticos (estabilizador em menor
grau), respectivamente ação concêntrica e isométrica. Entretanto, muitos
estudos indicam um equívoco ao negligenciar a fase negativa , porque esta
parece ter maior influência no aumento de força e massa.
Maior Tensão Muscular, Maior Estímulo
O aumento de força e massa
(hipertrofia) é um ajuste adaptativo ao treinamento de força. O processo de
hipertrofia é complexo com fatores hormonais, mecânicos e metabólicos
envolvidos. Dentre estes fatores, o mecânico será tratado aqui. Conforme citado
no artigo Criando
uma hipótese explicativa para o desenvolvimento muscular, essa adaptação é “acionada”
após a ocorrência de microlesões que a musculatura sofre com o treino intenso. Resumidamente,
essa adaptação citada neste artigo pode ser descrita como se segue: o dano
muscular causado pelo exercício induz a ativação, proliferação e diferenciação
de células satélites pelo músculo e este processo está relacionado à
hipertrofia. As células satélites, que estão em estado dormente, são ativadas
em caso de dano aos componentes da estrutura da célula muscular, se dividem
(proliferação) e se diferenciam como um mecanismo reparador do dano causado. As
células satélites não dão origem a uma nova célula muscular, ou seja, não geram
hiperplasia, mas podem contribuir para aumentar a síntese proteica no interior
da célula muscular pois sua migração para o interior da célula muscular aumenta
os núcleos celulares e, assim, é maior a quantidade de material genético
disponível para a síntese de proteínas que irão compor miofibrilas substitutas
às danificadas e também novas (aumento de força como resultado adaptativo),
aumentando o diâmetro dos sarcômeros e consequentemente o espessura da célula
muscular e a capacidade de força.
Assim, o dano muscular é
considerado um estímulo à hipertrofia e para obter este estímulo com o treino,
é buscado um grau de intensidade. Como fatores responsáveis pela variação de
intensidade do exercício, o número de séries e de repetições executadas, o
intervalo de descanso entre séries e a frequência de treinamento são as
variáveis normalmente consideradas. No entanto, tem sido demonstrado que o tipo
da ação muscular e a velocidade de execução do movimento são variáveis
importantes e que também devem ser consideradas. O grau de tensão da ação
muscular tem influência direta no dano e, consequentemente, na resposta
adaptativa ao treinamento. E conforme será exposto, o grau de tensão é
influenciado pelo tipo da ação e pela velocidade. Na ação negativa o músculo
gera tensão maior que as outras ações resultando em mais microlesões à
musculatura e maior resposta adaptativa. E a velocidade de execução também tem
influência no grau de tensão.
Estudos da fisiologia da
atividade muscular humana concêntrica mostram que a tensão desenvolvida por um
músculo ativo diminui à medida que a velocidade de encurtamento aumenta (Gráfico
1). Se a força externa superar a capacidade do músculo de resistir ativamente,
o músculo se alonga (ação muscular excêntrica) e esse alongamento “ativo” (pois
os músculos estariam resistindo) gera tensão que excede aquelas registradas
para a ação muscular concêntrica. A tensão aumenta até certo grau com o aumento
da velocidade com que a carga externa se move ao vencer a resistência muscular
e se estabiliza depois disso, mesmo com aumento de velocidade.
Modelo das “Pontes Cruzadas”
A já citada teoria das pontes
cruzadas, no artigo A
Ciência por Trás da Contração Muscular, pode explicar a relação
força-velocidade para a ação positiva e, em parte, para a negativa. Quando um
músculo é ativado, ocorre a ligação entre a miosina e a actina. Normalmente, as
pontes cruzadas se formam e o encurtamento ou tensão do sarcômero resulta à
medida que a energia potencial armazenada na miosina pré-energizada é
transformada nos eventos mecânicos da ação da ponte cruzada (tensão ou
encurtamento). Em qualquer dos tipos de ação, a atividade do músculo é
combatida pela força da carga que tende a alongar o sarcômero. Durante uma ação
positiva, o aumento da velocidade de movimento diminui a tensão produzida no
músculo, pois reduz o tempo disponível para a formação das pontes cruzadas. Se
a carga é “jogada” ou elevada com muita velocidade, a carga tende a continuar o
movimento por impulso e não impõe resistência em boa parte da amplitude. Já com
a diminuição da velocidade, a força gerada aumenta e níveis máximos de força
são alcançados quando a velocidade da ação muscular é igual à zero(ação
isométrica). Durante a ação negativa, se imediatamente após ocorrer a reação de
ligação a ponte cruzada for puxada à força para trás, a ligação actina-miosina
se romperia antes que o deslizamento proporcionado pela ponte pudesse ocorrer.
Esta separação da ponte cruzada exigiria mais força do que a registrada no
ciclo normal da ponte cruzada.
Durante uma ação excêntrica, o
músculo então é capaz de gerar maior quantidade de tensão quando comparada às
ações concêntrica e isométrica. Isso significa que se alguém consegue levantar
um peso máximo do chão e colocá-lo sobre uma mesa (ação concêntrica), essa
mesma pessoa conseguirá abaixar da mesa até o chão (ação excêntrica) um peso um
pouco maior. Parte dessa maior força pode ser explicada por essa maior tensão
descrita acima e explicada pelo modelo de pontes cruzadas, mas isto também ocorre
porque além dessa contribuição ativa dos elementos contráteis, a ação
excêntrica apresenta uma contribuição passiva dos elementos constituintes da
estrutura muscular na geração de tensão. Quando um músculo é alongado, existe a
resistência oferecida pelos elementos elásticos (tecidos conjuntivos, por
exemplo) os quais constituem a estrutura do músculo esquelético. Esta
resistência gera uma tensão passiva, a qual aumenta na medida em que o músculo
é alongado, como um mola. Então, a tensão passiva soma-se com a tensão ativa
gerada durante uma ação excêntrica, resultando numa maior produção total de
força (no gráfico 2 é apresentada uma curva de tensão ou força na ação negativa
em relação ao comprimento muscular).

Voltando ao ponto em que a ponte
cruzada foi impedida de produzir encurtamento muscular (pelo alongamento
causado por carga externa), a miosina energizada, que não perdeu sua energia
potencial, só poderia se unir novamente para ser separada novamente se a carga
externa fosse mantida. Cada uma dessas reações de ligação-separação produz uma
tensão registrada (resistência ao alongamento) pelo músculo, mas sem consumo
aparente de energia porque a ponte cruzada não circulou, mas continua
permanecendo na forma de alta energia. E, repetindo, a tensão registrada em um
determinado comprimento do sarcômero seria maior do que durante a ação concêntrica
e até mesmo maior do que na isométrica. Por outro lado, se o estiramento fosse
realizado a velocidades muito lentas, algumas das pontes transversais teriam
tempo para percorrer o ciclo (“encurtar”) e reduzir a tensão líquida registrada
em resposta ao estiramento assim como consumir energia.
Então a velocidade da ação
muscular também afeta a tensão muscular em ambas as ações positiva e negativa,
assim como o consumo de energia. Durante a negativa, a força muscular gerada
supera os níveis obtidos na isometria, e tem valores aumentados
progressivamente com a velocidade, pois esta afeta a capacidade de atuação das
pontes cruzadas que são “descoladas” antes de promoverem o deslizamento de
actina e miosina, gerando maior tensão no músculo. A partir de certo ponto, a
tensão (em função da velocidade) fica constante na ação excêntrica, ao atingir
o maior número de descolamentos possível, como indicado no gráfico 1.
O modelo do descolamento da ponte
cruzada então é útil para compreender como a ação negativa pode oferecer mais
estímulo por causar mais microlesões devido ao alongamento muscular forçado de
um músculo ativo causar mais tensão. Também é útil para entender porque a ação
negativa, dependendo da velocidade, não faz muito em melhorias
cardiorrespiratórias, visto que que o consumo de energia é reduzido.
Diferenças no Recrutamento de Fibras
Musculares
Existem indícios de que o padrão
de recrutamento muscular (isto é, a ativação das diferentes unidades motoras)
durante a ação negativa não respeita o chamado “princípio do tamanho”. O
princípio do tamanho afirma que, durante uma atividade física, as unidades
motoras menores, com menor capacidade de produção de força são recrutadas
primeiramente. Para aumentar a produção de força no desenrolar do trabalho,
unidades maiores e mais fortes são recrutadas posteriormente. Porém, na ação,
esse padrão parece se reverter, ocorrendo o recrutamento das unidades maiores no
início do trabalho. Estas unidades motoras são compostas por fibras musculares
do tipo II, as quais respondem muito bem aos estímulos do treinamento de força
quando comparadas as fibras do tipo I. Tal diferença de resposta ao treinamento
foi descrita no artigo Características
Fisiológicas Envolvidas no Desenvolvimento das Panturrilhas. As fibras do
tipo I, também conhecidas como fibras de contração lenta, são basicamente
responsáveis pela manutenção da postura corporal diária. Estas fibras geram
menor tensão, mas por longos períodos de tempo. Já as fibras do tipo II são
conhecidas como as fibras de contração rápida as quais produzem alto grau de
tensão mas entram rapidamente em fadiga. É interessante notar que a hipertrofia
decorrente do treinamento com predominância da ação negativa se manifesta
especialmente neste tipo de fibra. Assim, essa maior resposta hipertrófica pode
também estar associada ao recrutamento seletivo das unidades motoras compostas
por fibras musculares do tipo II durante a ação negativa.
Outra questão relevante, voltada
ao recrutamento, é que a maior tensão muscular gerada nas ação negativa também
está associada a ativação de um menor número de unidades motoras (Gráfico 3) o
que impõe um maior estresse mecânico sobre cada uma das fibras musculares
ativas. Isto resulta na maior ocorrência de danos muscular, reforçando o
exposto anteriormente sobre a ação negativa estimular mais a hipertrofia por
causar mais microlesões.

Conclusões
Pelo estudo realizado e
sintetizado neste artigo, podemos concluir que as características distintas da ação
negativa em comparação com outros modos de ação muscular são a causa de
adaptações específicas a este tipo de treinamento. Um conjunto significativo de
evidências sugere que, em comparação com a ação positiva, uma atenção na
negativa promove maiores ganhos de força e massa muscular, presumivelmente
devido ao estresse mecânico único gerado nos músculos excentricamente trabalhados.
A velocidade de execução também
afeta o estresse causado, como citado. Apesar de não ter ficado muito claro,
deve ser entendido que essa comparação provavelmente não é feita com mesmas
cargas. Ou pelo menos não no mesmo nível de fadiga muscular. Por exemplo, não
parece lógico pensar que, se um trabalho negativo é realizado com uma carga tal
que o praticante consiga exercer resistência suficiente para executar o
movimento bem lentamente, ao executar rapidamente com a mesma carga (e num
ponto em que o músculo esteja no mesmo nível de fadiga) seria gerado maior
estresse. Se for capaz de executar o movimento lentamente com uma carga,
executar rapidamente uma negativa com a mesma carga e no mesmo nível de fadiga seria
simplesmente deixar de oferecer resistência para o peso descer mais rapidamente.
Acredito que devemos concluir o seguinte: uma carga que consiga vencer o nível
de resistência imposta pelo praticante irá levar a velocidade maior de movimento,
visto que ele não conseguirá oferecer muita resistência, mesmo o músculo estando
ativo e tentando "frear" ao máximo a descida. Neste caso, as pontes cruzadas
seriam “descoladas” e a maior tensão possível seria gerada. Conforme descrito
por Arthur Jones em seu artigo para a Athletic Journal e traduzido aqui,
“Treinamento de Força Negativo Acentuado”, pode ser impraticável para muitos
praticantes o uso desta forma de treinamento, visto que ele não conseguiria
erguer a carga que causaria o efeito citado acima, pois como visto a força
negativa é maior que a positiva. Há máquinas que tornam isso possível mas não
são muito comuns e com certeza são caras. Também seria possível que outras
pessoas ajudassem a erguer o peso e deixassem o praticante controlar a descida
sozinho. Outra forma mais prática (e mais segura, por usar cargas não tão pesadas), conforme sugerido por ele, seria acentuar a parte negativa executando
exercícios com carga que seria possível erguer (ele sugere usar até 70% da carga
que normalmente seria utilizada) com ambos os lados (direito e esquerdo) e
deixar descer com apenas um lado atuando. Na próxima descida, alternar o lado.
Realizar movimentos lentos, principalmente na descida para fadigar a musculatura
até que nas últimas repetições, seria atingida uma “falha negativa”, um ponto em que não
seria mais possível criar resistência suficiente para descer a carga lentamente.
Assim, a velocidade da parte negativa seria maior, mesmo com o praticante exercendo
o máximo de força de que ele capaz, provocando os efeitos citados ao longo
deste artigo.
- Arthur Jones; Treinamento de Força Negativo Acentuado. http://arthurjonesexercise.com/Athletic/NegAccentuate.PDF
- Valmor Tricoli, Revista da Biologia (USP) (2013) 11(1): 38–42; Papel das ações musculares excêntricas nos ganhos de força e de massa muscular.
- MINOZZO FC; VANCINI RL, FACHINA RJFG, LIRA CAB. Comportamento da força em resposta ao alongamento e encurtamento muscular. R. bras. Ci. e Mov. 2011;19(2):101-106.
- Jonathan P. Farthing - Philip D. Chilibeck; The effects of eccentric and concentric training at different velocities on muscle hypertrophy; Eur J Appl Physiol (2003) 89: 578–586 ORIGINAL ARTICLE
- Willian T. Satuber, Ph. D.; Eccentric Action of Muscles: Physiology, Injury, and Adaptation
- Simon Walker, Anthony J. Blazevich, G. Gregory Haff, James J. Tufano, Robert U. Newton and Keijo Häkkinen; Greater Strength Gains After Training with Accentuated Eccentric
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