Microlesões musculares e estímulo causado por elas: uma hipótese para explicar o crescimento muscular com o treinamento e os fatores fisiológicos e metabólicos envolvidos
A musculatura esquelética de mamíferos adultos possui grande capacidade de adaptação a demandas fisiológicas, como no crescimento, no treinamento e no trauma. Sendo as fibras musculares esqueléticas adultas caracteristicamente bem diferenciadas, esse elevado potencial adaptativo é atribuído a uma população de células residentes no músculo esquelético adulto denominadas células satélites.
Com o treinamento adequado, as fibras musculares sofrem micro lesões em suas miofibrilas (actina e miosina) e unidades contráteis (sarcômeros). Para conhecimentos mais aprofundados sobre as unidades contráteis clique.
![]() |
Organização interna das fibras musculares |
Existem evidências de injúria às miofibras de músculos destreinados, imediatamente após a realização de exercícios agudos, mais acentuadas nas contrações predominantemente excêntricas. É possível observar desarranjos e rompimentos da estrutura de miofilamentos, de linhas Z, de sarcômeros, rompimento da arquitetura e desorganização das organelas, rompimento do sarcolema. Com o rompimento do sarcolema, há perda de proteínas intramusculares (enzimas creatina quinase - CK) para o plasma, e a concentração destas no plasma pode ser utilizada como um indicativo do dano do sarcolema.
![]() |
Indicação do rompimento das unidades contráteis após exercício intenso |
![]() |
Imagem de uma musculatura antes e depois de uma sessão de treino excêntrico indicando total desarranjo miofribilar |
![]() |
Diferença na concentração de Creatina Quinase (CK) plasmática após exercício concêntrico e excêntrico |
O potencial regenerativo desse tecido ainda tem sido objeto de pesquisa mas na literatura científica são apresentadas geralmente três fases identificadas no processo de regeneração muscular:
1 - Fase de destruição: caracterizada pela ruptura e necrose de miofibrilas, formação de hematoma entre miofibrilas rompidas e reação inflamatória.
2 - Fase de reparo: constituída de fagocitose do tecido necrosado, regeneração de miofibrilas, produção de tecido conjuntivo cicatricial e neovascularização dentro da área lesada.
3 - Fase de remodelação: período no qual ocorre maturação de miofibrilas regeneradas, contração e reorganização do tecido cicatricial e recuperação da capacidade funcional do músculo.
Um exemplo dessa capacidade regenerativa é a hipertrofia/hiperplasia muscular, caracterizada pelo aumento do conteúdo protéico e da capacidade produtiva de proteínas, dimensões das fibras musculares e um possível aumento destas (hiperplasia), fatos notados como resposta a um estímulo de trabalho com sobrecarga, principalmente excêntrico como os estudos parecem indicar, ou ao estiramento muscular.
Mas por quê há aumento do conteúdo protéico (miofibrilas), capacidade produtiva de proteínas, dimensões e números das fibras?
Enquanto o tecido muscular esquelético mantém-se livre de
agressões, as já citadas células satélites permanecem em estado de quiescência (repouso). Entretanto, em
resposta a estímulos como crescimento, remodelação ou trauma, estas células são
ativadas, proliferam-se e atuam na regeneração e adaptação muscular. Neste
estado, também são denominadas mioblastos. Essas células se fundem a fibras
musculares já existentes ou se fundem a células satélites vizinhas para gerar novas fibras
musculares.
As células satélites estão localizadas entre a membrana e a
lâmina basal da fibra muscular. É uma célula mononucleada e se torna mitoticamente ativa com o estímulo causado pelo treinamento (se proliferam mesmo após a fase de crescimento
muscular pós-natal). Eles passam por divisão celular (multiplicam) e partem para a área lesada do músculo quando estimuladas. Durante o crescimento muscular ocorre um aumento
considerável no número de núcleos das fibras musculares porque as células
satélites são incorporadas pelas fibras musculares servindo como fonte extra de
núcleo, aumentando a quantidade de DNA (ácido desoxirribonucléico) para a
produção de proteína.
Assim, o crescimento muscular estimulado pelo treino parece ocorre por:
- Hipertrofia (aumento do tamanho da célula): principalmente pelo acréscimo de proteína, organelas, conteúdo intracelular e de núcleos originados da proliferação e FUSÃO DAS CÉLULAS SATÉLITES à célula muscular.
- Hiperplasia: aumento do número de fibras musculares pela fusão entres células satélites.
![]() |
Atuação das células satélites numa fibra muscular danificada |
A hipertrofia ocorre primeiramente no sentido longitudinal da fibra pelo aumento do número de SARCÔMEROS e, posteriormente, ocorre um aumento do diâmetro pela deposição de proteínas MIOFIBRILARES. Portanto, o aumento do tamanho da fibra muscular está limitado por fatores genéticos e nutricionais que irão determinar a capacidade do músculo sintetizar proteínas musculares. A fusão das células satélites nas células musculares é importante porque provoca aumento no número de núcleos celulares, favorecendo a síntese protéica.
O aumento do número de sarcômeros nas extremidades das fibras parece ocorrer principalmente sobre estímulo do estiramento ao comprimento máximo. Isso faz com que sejam adicionados novos sarcômeros nas extremidades das fibras musculares onde elas se fixam aos tendões. Na verdade, a adição desses novos sarcômeros pode ser bastante rápida, até de vários sarcômeros a cada minuto, demonstrando a grande rapidez desse tipo de hipertrofia. Provavelmente isso ocorre por estímulo de adaptação causado pelas lesões nos discos Z das unidades contráteis.
Já nos esforços realizados com o músculos próximo à posição mais contraída, provavelmente ocorre mais danos às miofibrilas (actina e miosina) pois a tensão de estiramento é menor e é a parte do movimento do músculo onde há o maior grau de sobreposição entre os filamentos responsáveis pela contração. Assim parece ser a parte do movimento que irá causar mais danos às miofibrilas e o estímulo a este dano seria uma supercompensação destas e consequente aumento de diâmetro da fibra muscular.
![]() |
Indicação do grau de sobreposição das miofibrilas |
Mais sobre estas adaptações do músculo e a importância da amplitude de movimento pode ser lido aqui.
A taxa de crescimento dos músculos depende do TURNOVER
PROTÉICO, ou seja, da relação entre o metabolismo e catabolismo protéico. O
crescimento se dará quando o incremento anabólico superar as perdas
catabólicas. O aumento de núcleos no interior da fibra, ocasionado pela fusão das células satélites, aumenta a capacidade produtiva de proteínas. Por outro lado, a DEGRADAÇÃO PROTÉICA ocorre, em boa parte, por ação dos hormônios
cortisol e do
glucagon. Como a ação da insulina é antagônica à destes dois, e inibe a atuação deles, a degradação protéica pode ser inibida pela ação da insulina, mantendo seus níveis constantes no sangue o que pode ser obtido com uma alimentação adequada. Em outras palavras, o aumento protéico no tecido muscular ocorre quando
a taxa de síntese supera a taxa de degradação e isso pode ser otimizado combinando o estímulo do treino (capacidade produtiva pelo aumento de núcleos e material genético) com a alimentação (manter os níveis de insulina para inibir o catabolismo). A alimentação, logicamente, além de atuar evitando o catabolismo caso bem balanceada e bem distribuída ao longo do dia irá fornecer toda a matéria prima para a construção muscular. Outro detalhe é que o papel antagônico ao cortisol e glucagon, da insulina, se caracteriza pela função de levar nutrientes do sangue provenientes da digestão para os tecidos (músculos no caso). E seus níveis são mantidos justamente pela presença de nutrientes no sangue (principalmente carboidratos de rápida absorção/alto índice glicêmico).
Com estes estímulos e estratégias alimentares, e quando
é respeitado o tempo de descanso necessário para a recuperação dos efeitos
agudos do esforço físico, ocorrem ganhos musculares. O fator recuperação é tão importante quanto os demais pois garantirá o ganho máximo de acordo com o potencial de cada um. Em caso de dúvida, sempre reduza a frequência de treinamento e possibilite um descanso efetivo para a regeneração e ganhos musculares. Além dos processos descritos neste artigo há outras adaptação envolvidas que reforçam a compreensão sobre o tempo de descanso: revascularização da área lesada pelo esforço, tanto recompondo quanto aumentando a capacidade para adaptação, e adaptação dos sistema nervoso envolvido para ativação das unidades motoras com mais eficiência. Para fins de se obter uma noção de tempo, existem
vários modelos de regeneração muscular que objetivam o estudo do processo de
ativação das células satélites. Um dos modelos mais estudados consiste na injeção da
cardiotoxina, originada do veneno de uma serpente, cuja injeção no músculo
gastrocnêmio leva à degeneração de cerca de 80 a 90% das fibras musculares.
Seis horas após a lesão, as células satélites tornam-se ativadas, proliferando durante 2 a 3
dias. A regeneração muscular completa ocorre em cerca de dez dias.
Um fato interessante é que as células satélites podem, e alguns cientistas realmente acreditam nisso, estar relacionadas à memória muscular. É notável a facilidade que um indivíduo tem de recuperar massa muscular que anteriormente já possuía e perdeu. Se as musculares que tiveram seu número de núcleos aumentado continuarem com esta "carga genética", a sua capacidade de produção proteica continuará maior do que em épocas antes de ter inciado o treino com peso e ter seus primeiros ganhos musculares. Sendo assim, se isso for verdade, a capacidade em ganhos musculares será maior e este individuo que perdeu massa muscular a recuperará em velocidade maior se comparada quando a atingiu pela primeira vez.
Mas se as células satélites sofrem divisão celular se multiplicando para proliferando e recuperar a área lesada, este processo poderia se repetir até nunca encontrar um limite na capacidade protéica? Claro sem considerar outros fatores como idade, etc. Por que os ganhos encontram um limite?
O limite nos ganhos musculares por ser entendido, em parte, por algo sugerido por alguns autores e que está relacionado à perda da capacidade proliferativa das células satélites. Segundo eles, a diminuição na capacidade proliferativa das células satélites deve-se a diminuição no tamanho dos telômeros, que são estruturas presentes na extremidade dos cromossomos. Com o processo de proliferação (divisão mitótica) da célula há uma redução no comprimento. do mesmo, e quanto menor o comprimento do telômero, menor a capacidade de divisão da célula.
Dessa forma, as células satélites que são incorporadas após proliferarem durante a vida de um indivíduo terão telômeros mais curtos do que aquelas células satélites incorporadas durante sua fase de desenvolvimento muscular (fase fetal), ou seja, cada vez que a célula satélite passar pelo processo de divisão celular, as células satélites “filhas” terão telômeros mais curtos. Eventualmente, estas células cessarão suas divisões quando alcançarem um estágio conhecido por senescência proliferativa, pois seus telômeros atingirão um comprimento que não permitirá mais divisões. Este limite na capacidade proliferativa da célula satélite humana pode ser uma das explicações o potencial regenerativo muscular limitado, ou seja, estabelece o limite do ganho máximo possível. Essa é também a explicação para o envelhecimento do corpo como um todo.
Sobre mitose e telômeros: divisão por mitose; telômeros e a capacidade de divisão
Fontes:
Fontes:
- CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO TECIDO MUSCULAR, Prof. Ana Maria Bridi, Departamento de Zootecnia da UEL
- Células satélites musculares, Foschini
- Microlesões celulares induzidas pelo exercício físico e respostas adaptativas no músculo esquelético, Edson da Silva, UFVJM
- Tratado de fisiologia médica, Guyton e Hall
Nenhum comentário:
Postar um comentário