terça-feira, 24 de setembro de 2013

Características fisiológicas envolvidas no desenvolvimento das panturrilhas

Este texto é baseado em estudos feitos a partir de uma publicação no site http://www.gease.pro.br/ e nos livro Tratado de Fisiologia Médica, 9ª edição, de Arthur Guyton, e Anatomia Humana Sistêmica e Segmentar .


A panturrilha é composta de três músculos: sóleo, gastrocnêmio medial e gastrocnêmio lateral. Por essa razão é formalmente chamada de tríceps sural. Um estudo cinesiológico das estruturas envolvidas no movimento com as panturrilhas indica que o sóleo, o músculo mais interno, atua como motor primário da flexão plantar com a perna flexionada e os gastrocnêmios têm sua atuação mais evidente quando o movimento é realizado com a perna estendida, podendo participar também da flexão do joelho. Este grupo muscular responde diferente ao treinamento, em comparação a outros músculos, e pode representar um verdadeiro desafio em questões de desenvolvimento.
 
 
 
Características Particulares dos Músculos da Panturrilha

Os músculos da panturrilha, em especial o sóleo, possuem uma grande quantidade de fibras tipo I, as chamadas fibras de contração lenta ou oxidativas (Andersen & Kroese, 1978; Sjogaard, 1982) e isso traz implicações importantes ao desenvolvimento de grupamento muscular.
 
De acordo com Arthur Guyton, em seu livro Tratado de Fisiologia Médica, o músculo gastrocnêmio têm a função de contrair-se de forma moderadamente rápida para permitir velocidade suficiente dos movimentos das pernas, do tipo correr ou pular, enquanto o músculo sóleo está relacionado, de modo prioritário, à contração lenta para a sustentação contínua do corpo contra a ação da gravidade. Os músculos que reagem rapidamente são compostos por grande maioria de fibras rápidas, com número muito pequeno de fibras do tipo lento. Inversamente, os músculos que respondem de forma lenta, com contração longa, são compostos por maioria de fibras lentas. As diferenças entre esses dois tipos de fibras são as seguintes:

  • Fibras rápidas (tipo II): (1) fibras muito maiores para uma maior força de contração; (2) retículo sarcoplasmático extenso, para a liberação rápida de íons cálcio, para desencadear a contração; (3) grande quantidade de enzimas glicolíticas para a liberação rápida de energia pelo processo glicolítico; (4) vascularização pouco extensa, pela importância secundária do metabolismo oxidativo; (5) pequeno número de mitocôndrias, igualmente por ser o metabolismo oxidativo secundário.
  • Fibras lentas (tipo I): (1) fibras menores; (2) também inervado por fibras nervosas mais finas; (3) vascularização bem mais extensa, com muitos capilares para fornecimento de quantidades adicionais de oxigênio; (4) número muito grande de mitocôndrias, permitindo a manutenção de alto nível do metabolismo oxidativo; (5) as fibras contêm grande quantidade de mioglobina, proteína contendo ferro, semelhante à hemoglobina das hemácias. A mioglobina se combina com o oxigênio, armazenando-o até que seja necessário, e acelera de o transporte de oxigênio para as mitocôndrias. A mioglobina dá ao músculo lento uma coloração avermelhada, razão desses músculos serem chamados de músculos vermelhos, enquanto sua falta, nos músculos rápidos, os faz serem chamados de músculos brancos.
A partir dessas descrições, pode-se ver que as fibras rápidas são adaptadas para contrações musculares muito rápidas e fortes, como as que ocorrem nos saltos e na corrida curta. As fibras lentas são adaptadas para a atividade muscular prolongada e contínua, como a de sustentação do corpo contra a gravidade e atividades esportivas de longa duração, como a maratona.

Estudos em humanos conduzidos por Mittendorfer et al. (2005) e Carroll et val. (2005) mostram que tanto a síntese proteica basal quando a síntese proteica estimulada pela hiperaminoacidemia são similares entre os diferentes músculos (sóleo, vasto lateral e tríceps braquial). No entanto, ao estudar a resposta do sóleo ao treinamento, Trappe et al. (2004) verificaram que a resposta do quadríceps é cerca de 200% maior do que a do sóleo. Ou seja, em repouso ou diante de alterações na disponibilidade de aminoácidos, o músculo apresenta uma síntese proteica normal, mas a sua resposta ao exercício é menor que a de outros músculos, resultando em menor hipertrofia.

Além da menor resposta, também parece haver uma tendência a acomodação mais rápida das fibras lentas, de modo que sua resposta ao treinamento é acentuadamente atenuada com o passar do tempo. Essa hipótese emergiu de um estudo recente no qual pesquisadores submeteram ratos a cinco semanas de treinamento resistido e avaliaram a resposta da síntese proteica antes e após o período. De acordo com os resultados, a reposta anabólica foi mantida principalmente nos músculos compostos de fibras tipo II, mas não de tipo I (Gasier et al., 2011), o que indica que as fibras lentas têm sua resposta ao treinamento atenuada em longo prazo e que devem ser treinadas com mais frequência.

Ainda com relação às respostas ao treinamento, estudos demonstram que as fibras lentas são menos sensíveis às microlesões produzidas pelo exercício (Friden et al., 1983; Choi & Widrick, 2010). Como as microlesões podem ser um gatilho importante dos ganhos de força e massa muscular (Gentil, 2011), essa também pode ser uma das causas da menor hipertrofia encontrada na panturrilha. Outro fator que pode interferir no desenvolvimento da panturrilha é maior expressão de miostatina no sóleo (Harber et al., 2009), um gene que inibe a hipertrofia muscular. 

Portanto, a panturrilha tem algumas características fisiológicas que podem explicar os menores ganhos de massa muscular. No entanto, essas características específicas da panturrilha são muitas vezes mal interpretadas. Um mito comum é que a panturrilha, por ter uma grande quantidade de fibras lentas (tipo I) deva ser treinada com menos carga e mais repetições, acredita-se que por serem fibras resistentes, elas devem ser submetidas a treinos de resistência. No entanto, isso é um equívoco, pois os mecanismos de adaptação das fibras lentas ou rápidas são os mesmos, ou seja, elas respondem aos mesmos estímulos (Gentil, 2011). A diferença será que, por iniciarem com um menor tamanho, as fibras tipo I, alcançarão um tamanho menor que as fibras tipo II. Tal fato foi comprovado em uma revisão publicada por Fry, onde se mostra que os treinos com cargas altas são os que produzem os maiores aumentos de tamanho nas fibras tipo I e tipo II (Fry, 2004).
 
O fato é que as panturrilhas precisam de outros enfoques, além só do treinamento de sobrecarga comum, no treinamento, como é dito abaixo. Não apenas as panturrilhas, outros músculos também se beneficiam disto, mas é especialmente verdade que as primeiras precisam de treinamento diferenciado pelo fato de ter composição muscular diferente. Todos os músculos têm as mesmas características, quanto a estímulos para desenvolvimento, mas cada uma é mais marcante em uns que em outros.
 
Novamente baseando-se em Tratado de Fisiologia Médica, Guyton diz que os músculos muito rápidos, de ação tipo mola, como o gastrocnêmio, só podem manter alto nível de força contrátil por períodos muito curtos de tempo de atividade contínua. Por conseguinte, os chamados músculos lentos, tais como o sóleo, são usados para as atividades prolongadas, tais como a corrida de maratona. Esses músculos não se hipertrofiam tanto como os músculos rápidos. Na verdade, eles são remodelados por outro modo. A atividade prolongada, por períodos de muitas horas a cada dia, causa, além de hipertrofia das fibras, de discreta a moderada, as seguintes alterações que aumentam a capacidade das fibras de utilizarem os nutrientes:

1. Aumento da mioglobina em cada fibra, para o transporte de oxigênio para as mitocôndrias.
2. Número muito aumentado de mitocôndrias para formar quantidades muito maiores de ATP.
3. Quantidades aumentadas de enzimas oxidativas nessas mitocôndrias para provocar maior intensidade do metabolismo oxidativo, o que aumenta ainda mais a produção de ATP.
4. Intenso crescimento de capilares no próprio músculo, resultando em menor espaçamento desses capilares por entre as fibras musculares, de modo que o oxigênio e outros nutrientes possam ser rápida e facilmente fornecidos durante os períodos prolongados de atividade.
 
Assim, a síntese protéica parece ser fator secundário na hipertrofia dos músculos da panturrilha, principalmente do sóleo. A hipertrofia é mais facilmente obtida nas fibras de contração rápida e infelizmente, não foi possível mostrar que o treinamento atlético tenha a capacidade de modificar as proporções relativas das fibras de contração rápida e de contração lenta, por mais que o atleta desejasse desenvolver mais um tipo de destreza atlética em relação a outro. Logo, o treinamento deve ser diferenciados para certas estruturas musculares, como as da panturrilha, dos outros músculos, tentando objetivar cada fator de crescimento da forma que o músculo responda melhor.
 
Outra peculiaridade relacionada a estes músculos é sobre a fáscia muscular. Para conseguirmos treinar nossos músculos e desenvolver nosso físico da maneira desejada, precisamos usar todas as armas possíveis a nosso favor. Nosso corpo se vale de inúmeros artifícios para resolver ou evitar problemas que nem imaginamos que poderiam existir. Devemos usar alguns, que são possíveis, a nosso favor, como tentar manter naturalmente os níveis de insulina que é um hormônio anabólico. Mas isso, da insulina, é assunto para outro estudo. Em alguns casos, porém, é conveniente tentar “contrariar” alguns desses artifícios que o nosso corpo se utiliza. Segundo Dangelo e Fattini em seu livro Anatomia Humana Sistêmica e Segmentar, a fáscia muscular “é uma lamina de tecido conjuntivo que envolve cada músculo. A espessura da fascia muscular varia de músculo para músculo, dependendo de sua função. Às vezes a fascia muscular é muito espessada e pode contribuir para prender o músculo ao esqueleto. Para que os músculos possam exercer eficientemente um trabalho de tração ao se contrair é necessário que eles estejam dentro de uma bainha elástica de contenção, papel executado pela fascia muscular. Outra função desempenhada pela fascia muscular é permitir o deslizamento dos músculos entre si. Em certos locais a fascia pode se apresentar espessada e dela partem prolongamentos que vão terminar se fixando ao osso, sendo denominados septos intermusculares. Estes separam grupos musculares em lojas ou compartimentos e ocorrem frequentemente nos membros.”
Como visto, a fáscia pode ocorrer de forma bem espessa, o que normalmente é verdade, e mais acentuado, nos músculos da panturrilha. Assim, “contrariar” significa tentar deixar a fáscia mais flexível de forma que não imponha tanta limitação ao desenvolvimento muscular. Existem treinamentos focados nisso e normalmente funcionam gerando um “pump” (inchaço) com grau acentuado nos músculos. Esses métodos de treinamento são conhecidos como FST7 (Fascia Stretching Training 7) e podem ser realmente muito benéficos.
Foi citado que existem várias formas diferentes que levam os músculos a desenvolverem-se. Portanto este método de treino, FST7, não deve ser o único meio utilizado, visto que outras abordagens devem ser feitas. Saiba periodizar! Todos os estímulos devem ser feitos ao músculo para que se atinja seu potencial e esse método, com certeza efetivo, trabalha, como dito, tirando os limites que a fáscia muscular espessa impõe.
 
A amplitude de movimento e o alongamento também são importantes: primeiro por, no estiramento com carga e músculo inchado devido ao aumento de vascularização, a flexibilidade da fáscia é treinada; segundo, pelas razões descritas abaixo.
Neste artigo, foi citada a importância do alongamento e da amplitude no desenvolvimento muscular. Foi baseado também no livro de Guyton e diz:

“Ocorre um tipo de hipertrofia quando os músculos são estirados além de seu comprimento normal. Isso faz com que sejam adicionados novos sarcômeros nas extremidades das fibras musculares onde elas se fixam aos tendões. Na verdade, a adição desses novos sarcômeros pode ser bastante rápida, até de vários sarcômeros a cada minuto, demonstrando a grande rapidez desse tipo de hipertrofia. Inversamente, quando um músculo permanece retraído a comprimento menor que o seu normal por longos períodos, os sarcômeros nas extremidades das fibras desaparecem de modo igualmente rápido. Um grau de contração muscular maior possível e intenso proporciona o músculo a se desenvolver de forma que fica com este maior "altura".”
 
Assim podemos interpretar que o movimento feito com amplitude máxima é favorável ao desenvolvimento muscular em termos de comprimento e espessura. O alongamento também é importante neste contexto.

Na prática

Apesar de haver características fisiológicas que possam dificultar a hipertrofia da panturrilha, a suposição de que a genética seria o único determinante para se obter panturrilhas musculosas é equivocada. Normalmente se supõe que pernas bem desenvolvidas seriam o privilégio de pessoas abençoadas, que possuem maiores proporções de fibras brancas e, por que não dizer, maiores números de fibras musculares. Contra os pessimistas há uma equação básica da Biologia que diz: fenótipo = genótipo X ambiente. A mensagem codificada nos genes com certeza poderá influenciar seu desenvolvimento muscular, mas você pode melhorar, e muito, esse potencial com um treinamento adequado. As características fisiológicas da panturrilha devem ser analisadas para que um programa eficiente seja elaborado.

Algumas dicas para desenvolver as panturrilhas são: trabalhe na maior amplitude de movimento possível – alongue o máximo que puder e aproveite os momentos de contração, lembre-se: quanto maior for a amplitude de movimento maior o recrutamento de unidades motoras e melhores as respostas fisiológicas (Gentil, 2011) (veja também
Amplitude); alongue-se (ver Alongamento, IGF-1, hipertrofia....) – o músculo encurtado é sinônimo de músculo pouco desenvolvidos (Dupont Salter et al., 2003; Fujita et al., 2009), portanto, mantenha a musculatura alongada. O encurtamento é visto principalmente em mulheres, devido ao uso prolongado de saltos; não esqueça a fase excêntrica - os benefícios da fase excêntrica do movimento já são bem conhecidos, mas geralmente são negligenciados nos treinos de panturrilha; treine com intensidade – esqueça o mito de fazer muitas repetições com pouca carga. Isso pode ser benéfico mas não se limite a isso. Aliás, isso, se usado, deve ser o mínimo. Lembre-se do estudo de Fry (Fry, 2004) no qual se demonstra que tanto as fibras tipo I quando as tipo II precisam de intensidade para se desenvolver; controle a freqüência de treino - uma implicação prática da menor ocorrência de microlesões nas fibras lentas pode ser a possibilidade de se treinar com mais freqüência os músculos nas quais elas predominam; mantenha controle do movimento tanto na fase excêntrica quanto na concêntrica – a velocidade de movimento é uma variável importante para as adaptações ao treino, até porque o tempo sob tensão é um fator importante (Gentil, 2011), mas isso é esquecido nos treinos de panturrilha. É comum ver pessoas se concentrando e controlando a velocidade durante um supino, mas durante uma flexão plantar parece que se está apostando uma corrida contra a máquina; faça treinamento de potência sim para a panturrilha também - ela também possui fibras de contração rápidas que melhor se hipertrofiaram com esse treino.

Quanto às drogas localizadas, não valem o risco. Há um texto específico sobre o tema no GEASE que explica os riscos e limitações do seu uso (
Óleos para crescimento localizado). A Synthol e ADE não promovem hipertrofia e sim inserem um corpo estranho no seu tecido, além disso, elas têm causado uma onda de amputações e levou alguns usuários a morte. É improvável que os anabolizantes derivados da testosterona atuem seletivamente no músculo em que são aplicados, pois eles caem inevitavelmente na circulação e são difundidos pelo corpo inteiro. Portanto, não há recurso farmacológico com potencial de oferecer uma relação custo-benefício aceitável.

E lembre-se, não se deve basear no progresso de outros para montar seu treino ou para chegar a qualquer concusão. Há pessoas que possuem panturrilhas excelêntes sem ao menos fazer treinamento com pesos. Cada um tem o corpo com características diferentes e um estudo baseando em comparações só seria válido entre indivíduos exatamente iguais, o que não ocorre.


 

Segundo Charles Poliquin: "se fosse imposta uma lei nas academias dizendo que para cada série de bíceps realizada fosse feita uma de panturrilha, daqui a um ano, você veria a média das medidas de panturrilha crescer, no mínimo, cinco centímetros".

 

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